MPF defende obrigatoriedade de identificação em cápsulas de munição usadas por polícias e pelas Forças Armadas

As Câmaras Criminal (2CCR) e de Sistema Prisional e Controle Externo da Atividade Policial (7CCR) do Ministério Público Federal (MPF) divulgaram nota técnica contra dispositivo do Projeto de Lei 3.723/2019, que prevê o fim da obrigatoriedade de identificação de munição para venda a polícias, Forças Armadas e órgãos de segurança. Segundo o MPF, a identificação nas balas é essencial para desvendar crimes envolvendo armas de fogo. O fim da marcação de cartuchos retira de cena parte importante das investigações, que é a possibilidade de rastrear as munições vendidas no Brasil. Por isso, o dispositivo deve ser rejeitado pelo Congresso, defende o texto. A nota técnica será entregue ao relator do PL, o senador Marcos do Val, e aos integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, que analisam a matéria.

O Projeto de Lei 3.723/2019 propõe alterações no Estatuto do Desarmamento, no Código Penal, na Lei de Segurança Bancária e na Lei de Segurança Nacional. Já aprovado na Câmara dos Deputados e tramitando em regime de urgência no Senado Federal, o PL pretende revogar o art. 23 do Estatuto do Desarmamento, que prevê expedição de autorizações somente da compra de munição para órgãos de segurança e para as Forças Armadas, com identificação do lote e do adquirente no culote dos projéteis.

O texto cita casos que foram desvendados justamente por causa da identificação nos projéteis. Entre eles, estão assaltos a bancos e agências dos Correios, com uso de armamento pesado; o assassinato da juíza Patrícia Accioly, em 2011, morta por policiais militares ligados a milícias e grupos de extermínio; e o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mortos em 2018.

Mecanismos de controle – Para mostrar a importância dos mecanismos de controle, identificação e rastreabilidade de munições no país, a nota técnica detalha extenso trabalho desenvolvido pelo MPF na temática, no estado da Paraíba. Durante a investigação de um assalto a agência dos Correios, o MPF descobriu que a munição utilizada havia sido vendida à Polícia Federal. O lote, no entanto, contava com nada menos que 2,4 milhões de projéteis, e o desvio de parte dessas cápsulas era investigado por mais de 50 inquéritos policiais diferentes. Apesar de possuir sistema informatizado, a Polícia Federal informou ser impossível saber a quem foram distribuídas as balas, por conta do tamanho do lote.

No curso do inquérito, o MPF oficiou a todos os estados e descobriu que apenas quatro dispunham de sistemas informatizados para controle e rastreamento de compra e distribuição de munição, de acordo com os padrões fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Dez estados ainda fazem o controle de munições de forma manual, por meio de documentos e procedimentos administrativos não informatizados e imprecisos, enquanto os outros utilizam sistemas informatizados, mas com informações incompletas e parciais.

A apuração motivou recomendação enviada ao Comando Logístico do Exército Brasileiro, indicando providências para aperfeiçoar a marcação, fiscalização, controle e rastreabilidade de munições no Brasil. O documento pediu, por exemplo, a atualização da portaria que permite lotes de até 10 mil cartuchos para pessoas jurídicas, quantidade grande demais para assegurar a rastreabilidade eficiente. A recomendação foi acatada pelo Exército, que informou estar trabalhando em norma administrativa específica para o tema. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça, também se comprometeu a criar comissão para propor melhorias na legislação que regulamenta a marcação de cartuchos de munição em vigor no país.

Segundo a nota técnica, a própria resposta do Exército e da Senasp à recomendação indica a importância de se manter a identificação dos cartuchos utilizados pelas forças de segurança. O texto cita também o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018 para integrar o trabalho dos órgãos de segurança pública no país. O MPF defende que, nesse contexto de cooperação trazido pelo Susp, a rastreabilidade de munições é uma ferramenta essencial para realizar conexões entre crimes ocorridos em diferentes unidades da federação, bem como para permitir o compartilhamento de informações e dados entre os órgãos de segurança pública. Isso possibilita “operações com planejamento e execução integrados, abandonando a ideia de métodos artesanais e voluntaristas”.

“Não há como avançar em política de segurança pública eficiente sem passar pelo aperfeiçoamento do modelo de controle e rastreabilidade de munições, adequando-o aos novos tempos, no sentido da imprescindibilidade de delimitar o quantitativo de artefatos por lote e rastreá-las em todo o seu ciclo de vida útil”, conclui o texto.

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